LETICIA LOURENÇO SANGALETO TERRON
(orientadora)
RESUMO: Este artigo aborda tanto o contexto histórico, como atual, ao enfrentamento de tráfico de pessoas no Brasil e os reflexos causados na vida da vítima. O tráfico de pessoas é o crime que mais se torna crescente e que nos dias atuais ocupa o terceiro lugar em negócios ilícitos, gerando uma movimentação bilionária aos envolvidos. Tem por principais vítimas as mulheres, pelo retorno financeiro imediato decorrente este de exploração sexual, entretanto, não se exclui outros gêneros e crianças, os quais são vítimas seja para venda de recém-nascidos ou para remoção de orgãos. O objetivo deste artigo é mostrar como o Brasil em sua legislação combate a este crime que é em sua proporção uma violação aos direitos humanos, constará também, os meios e campanhas que são cabivéis aos entes públicos realizarem. A metodologia utilizada para o feito deste artigo, se deu por procedimento dedutivo, se moldando através de dados e fontes confiavéis constadas ao final.
Palavra-chave: Vítima. Tráfico de pessoas. Exploração sexual. Legislação.
ABSTRACT: This article addresses both the historical and current context of combating human trafficking in Brazil and the effects it has on the victim’s life. Human trafficking is the fastest growing crime and currently rancks third among illicit businesses, generationg billions of dollars in revenue for those involved. Its main victims are women, due to the immediate financial return, resulting from sexual exploitation, however, other genders and children are not excluded, who are victims either for the sale if newborns or for the removal of organs. The objective of this article is to show how Brazil, in its legislation, combats this crime, which is in its proportion, a violation of human rights, it will also include the means and campaigns that public entities are entitled to carry out. The methodoly used to produce this article was based on a deductive procedure, based on reliable data and sources found at the end.
Keyword: Victim. Human trafficking. Sexual exploitation. Legislation.
1. INTRODUÇÃO
A Organização das Nações Unidas (ONU), define tráfico de pessoas como o “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”
Com isso, tem-se que o tráfico de pessoas consiste no ato de comercializar, escravizar, explorar e privar vidas, violando os direitos humanos por ter impacto diretamente com a vida das vítimas. Se houver transporte, exploração ou cassação de direitos, o crime pode ser classificado como tráfico de pessoas, não importando se há consentimento por parte da vítima.
Infelizmente o tráfico de pessoas é o terceiro negócio ilícito mais rentável no mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e das armas. Nenhum país fica excluído dessa prática, tampouco indivíduos, mesmo que o foco sejam mulheres, crianças e adolescentes. Os países mais pobres, com desigualdades econômicas, países com poucas possibilidades de emprego, educação e perspectiva de futuro para jovens, além de políticas frágeis, são os mais vulneráveis ao tráfico de pessoas e à exploração sexual.
Outrossim, o Código Penal em seu artigo 231 traz a definição do tráfico internacional de pessoas, no qual afirma que “promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguem que vá exercê-la no estrangeiro”, em outras palavras: alojar, coagir, submeter outrem sobre exploração sexual é também caracterizado como tráfico. Esse fato acontece constantemente e muitas vezes é esquecido pelas autoridades.
O presente artigo pretende mostrar quais são as lacunas existentes na lei brasileira, bem como a ineficácia da fiscalização nas fronteiras de estados e municípios, onde ocorrem os aliciamentos em território nacional.
Também será abordado, como o psicológico da vítima permanece depois do episódio ocorrido, qual suporte será dado a vítima, como esta encara a família, a sociedade depois de ocorrida tal situação, e como o ambiente familiar interfere na ressocialização do indivíduo que é vítima desta rede de tráfico.
Ainda, conterá no presente artigo o contexto histórico, desde o surgimento da prostituição até os dias de hoje, apresentando as diversas consequências causadas e que somente as vítimas conhecem. Tendo em vista ser um crime global, além do Código Penal, será utilizado para fins de embasamento jurídico o protocolo de Palermo e doutrinas a fins de demonstrar a forma que o judiciário aplica as leis nos casos em concreto.
É notório que, por mais que seja um assunto delicado e polêmico, que gera constrangimentos e desconfortos sociais quando discutido, não tem sido tratado como deveria, sendo que muitas pessoas ainda não conhecem a respeito, tampouco acreditam ser uma realidade tão próxima, tornando-os distante de tal realidade.
2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRÁFICO DA PESSOA HUMANA
O Brasil sofre pelo problema de tráfico de pessoas desde a época colonial. No século XVI a XIX, escravas eram obrigadas por seus senhores a se prostiruirem; com o fim da escravidão, mulheres brancas começaram a também serem usadas com a mesma finalidade.
A violação sexual de mulheres negras dava-se em especial por parte dos seus senhores, porém também ocorria em senzalas. A existência de escravas prostitutas era uma prática bem comum na cidade do Rio de Janeiro em meados do século XIX. Segundo afirma Jacob Gorender, “a prostituição de escravas era algo bem comum no Brasil, e em consequência a expansão do sistema escravista, ocorreu um vasto aumento da exploração de mulheres negras para fins de prostituição. (GORENDER, Jacob. O escravismo colonial, p. 500-502).
No livro O Abolucionista, Joaquim Nabuco traz o entendimento de que senhores empregavam suas escravas e as entregavam a prostituição recebendo os lucros do negócio, sem que isso lhes fizesse perder o título de proprietário sobre elas. Com isto, a partir do século XIX, advogados abolicionistas aconselhavam “Ações de Liberdade” em favor destas mulheres escravas para cessar essa prática. (O abolicionismo, p. 16-17).
O argumento usado foi baseado no direito romano, e este defendia que por mais amplo que que fosse o direito do senhor à propriedade, o mesmo não poderia vir a constituir ofensa à lei e ao costume. Sendo assim, forçar mulheres escravas à prostituição justificava a perda da propriedade.
Guido Fonseca dispõe a respeito de dois processos os quais ilustram as posições antagônicas relativas à questão. Um, refere-se a Sabina e Salustiana, mulheres que foram obrigadas a se prostituir por sua senhora, Custódia Maria de Araújo. As mulheres escrevas venceram na 1ª instância, entretanto, na 2ª Instância foram consideradas carecedoras da ação. A seguir um trecho da sentença e do acórdão:
O que tudo visto e bem meditado, salta aos olhos que, não tendo a nossa legislação dito cousa alguma sobre a prostituição forçada das escravas, e não se devendo crer que assim procedeu o legislador brasileiro, por en- tender que era ela permitida, deixou que entre nós vigorasse como Direi- to subsidiário o Romano, que é a respeito, expresso e salutar. E passando do direito ao fato, encontra-se nos autos plena prova de que as Autoras foram forçadas à prostituição e que disso auferia lucros a Ré, que se não livra da imputação e responsabilidade simplesmente por dizer que não lhes infringia castigos corporais, certo como é, que para os escravos constitui coação a ordem do senhor, a quem estão sujeitos sob pena de sofrerem a sua severidade e maus-tratos. [...] julgo provada a intenção das Autoras, e condeno a Ré nas custas; declarando, como declaro, aquelas livres pela presente sentença que lhes servirá de título. Rio, 4 de julho de 1872. Joaquim Francisco de Faria (grifos nossos)
Acórdão da Relação. Que reformam a sentença de fls. 59 e julgam as Autoras apeladas carecedoras da ação como escravas que são da Apelan- te, por não terem aplicação entre nós as disposições indicadas do Direito Romano, como contrário ao direito de propriedade [...]11 (grifos nossos)
O mesmo sentido de entendimento foi dado no segundo processo. Nos termos do Acórdão da Relação, de 20 de agosto de 1872: “[...] quando tivesse ciência ou consentisse não seria motivo justo e menos legal para privá-lo de sua propriedade, galardoando-se a desregrada. [...] mandam que a apelada seja restituída ao apelante, seu legítimo senhor”.
Miguel Reale Júnior relata que, cerca de 1.600 Ações de Liberdade propostas, 729 escravas obtiveram a libertade por terem sido obrigadas pelos seus senhores a se prostituir. (REALE JUNIOR, Miguel. O escravo como nao sujeito de direitos).
No entanto, mesmo diante a conquista da abolição da escravidão, se era comum encontrar ex-escravas na prostituição. Com o passar do tempo, escravas negras foram sendo substituídas pelas escravas europeias de outros senhores, como constará a seguir.
Após passado mais de um século da abolição da escravatura pela Lei Áurea de 1888, era de esperar que houvesse uma evolução social capaz de superar situações como estas. No Brasil, o Decreto de nº 58.563, de 1 de junho de 1966, promulgou a Convenção sobre Escravatura, de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953, e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956. Em seu art. 2º determinava que os Estados se comprometessem a impedir o tráfico de escravos e proporcionasse a abolição completa da escravidão em todas as suas formas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece em seu art. 4º de que ninguém será mantido em escravidão ou servidão, e que a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, também trata da matéria. O art. 6º proíbe a escravidão e a servidão, bem como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres.
Entretanto, não se vê isso na prática. Em pleno século XXI, continuam a traficar pessoas, escraviza-las e a cultura da exploração sexual é presente dia após dia.
3.DO TRÁFICO DE ESCRAVAS BRANCAS PARA O TRÁFICO DE PESSOAS EM GERAL
Já abolida a escravidão no final do século XIX, passou a chamar a atenção e a ser fato de extrema preocupação o tráfico de escravas brancas para a mesma finalidade. No Brasil, o Código Penal na época não previa o crime de lenocídio, entretando o mesmo foi incluido em 1980, período o qual se obteve intenso movimento migratório.
Corforme entendimento de Lená Medeiros de Menezes, a exploração de mulheres já não era algo novo durante o século XIX e início do século XX, entretanto, a exploração havia adquirido uma nova versão “à medida que o capitalismo e a expansão europeia haviam redesenhado o mundo e a vida urbana, promovendo a internacionalização dos mercados e a expansão dos prazeres”. Neste contexto a mulher trasformou-se em um mero produto de exportação tanto para a Europa quanto para os demais continentes.
Em meados do século XIX, Buenos Aires e o Rio de Janeiro foram as capitaias do tráfico internacional de mulheres na América do Sul e assim se tornaram porta para as demais cidades do continente.
O aliciamento ocorria de diversas maneiras, bem como ocorre na atualidade. Em alguns casos, para que nada fosse perceptível e se tornasse suspeito, traficantes se casavam com as mulheres, em outras situações, a mulher era colocada como integrante de companhias artísticas. Chegavam no país de destino sem conhecer absolutamente ninguém e sem estudo sobre o idioma, isto fazia com que essas mulheres se tornassem um alvo fácil para a exploração sexual.
Em diversos casos, mulheres assinavam contratos a força com seus exploradores e estes contratos eram feitos a fim de torna-las devedoras em prazo permanente. Este fato a respeito de contratos e suas dividas foi tema de uma novela do horário nobre de uma grande rede de televisão no Brasil, “Salve Jorge – Sistema Globo de Televisão”, no enredo da trama mulheres eram tiradas do Brasil com promessas de uma vida melhor e cheia de oportunidade de trabalho em países diversos, e, quando chegavam no destino final, se viam presas a uma condição mínima de humanidade sendo obrigadas a se prostituirem e a assinar contratos em que constava que tudo o que fosse consumido, sendo: alimentos, roupas, moradia entre outros, tornava-as devedoras com uma divída sem fim.
Segundo Guido Fonseca, o qual fez vasto levantamento a respeito da prostituição no Brasil em especifico no Estado de São Paulo, conforme analise do autor, em 1914 registrou-se 812 prostitutas no Estado, 721 eram brancas, 60 pardas e 31 negras, deste total 303 brasileiras. Das mulheres estrangeiras, a maior parte eram da Rússia, Itália, Alemanha e França. O fato da Primeira Guerra Mundial prejudicou o aumento destes números; tanto que em 1915 a polícia abriu apenas 269 novos prontuários de prostitutas, sendo 181 brasileiras e 88 estrangeiras. ( FONSECA, op. cit., p. 135-136)
No ano de 1922, existiam cerca de 3.529 prostitutas cadastradas em São Paulo. Dessas, 1.936 eram brasileiras e 1.593 estrangeiras. A origem dessas mulheres era especialmente da Rússia (468), França (255), Itália (245), Portugal (155) e Espanha (143).
Em 1936, constavam 10.008 prostitutas registradas em São Paulo. A maior parte delas 5.400 mulheres eram estrangeira. Mulheres francesas representavam quase 6% do total de 576. Na sequência apareciam as polonesas (439), portuguesas (413), alemãs (375), argentinas (351), italianas (330), russas (287) e as lituanas (282). 4.608 mulheres eram brasileiras; do total 8.077 eram brancas.
No estado do Rio de Janeiro, não era muito diferente. No ano de 1912, o levantamento feito por um delegado apontou que, num total de 94 casas de programa, havia 299 mulheres, sendo 160 estrangeiras. Em primeiro lugar apareciam as russas (33), depois as italianas (30), as espanholas (20) e as francesas (16).
Conforme conclui Guido Fonseca, a expressiva presença de mulheres de diversas nacionalidades, sendo: Rússia, França e Polônia, somente pode ser explicada pela ação do tráfico, pois a imigração desses povos para o Brasil não era comum. Quanto aos donos dessas casas, em sua maioria eram estrangeiros europeus, que como pena eram expusos do País.
O crescente movimento do tráfico internacional de mulheres visando à exploração obrigaram Estados a se reunirem para debater a questão e elaborar acordos internacionais, com o intuito de prevenir e punir esse crime. Já em 1885, no Congresso Penitenciário de Paris, o tema foi debatido, e em 1899 ocorreu em Londres um Congresso Internacional sobre Tráfico de Escravas Brancas, já em 1902 ocorreu a Conferência de Paris, com a participação do Brasil. No ano de 1904, foi assinado em Paris o Acordo Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, elaborado pela Liga das Nações e promulgado no Brasil pelo Decreto n. 5.591 de 13 de Julho de 1905. No ano de 1910, foi assinada a Convenção Internacional relativa à Repressão do Tráfico de Escravas Brancas, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.756, de 28-11-1923, e pelo Decreto n. 16.572, de 27-8-1924.
Logo, seguida a assinatura desses acordos, houve início a Primeira Guerra Mundial, que perdurou de 1914 a 1918. Neste período de guerra ocorreu uma diminuição significativa do tráfico, entretanto com o término os movimentos migratórios tomaram novo fôlego, impulsionados pela destruição e pelo estado de miséria dos países europeus. Desta forma, em 1921 foi assinada a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 23.812, de 30 de janeiro de 1934.
Em 1933, firmou-se novo documento, a Convenção Internacional relativa à Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, a última sob o patrocínio da Liga das Nações, e promulgada pelo Brasil pelo Decreto nº 2.954, de 10 de agosto de 1938.
Já em 1950, sob a ampração da ONU, foi assinada a Convenção para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 46.981, de 8 de outubro de 1959. Esta convenção deixou claro que qualquer pessoa poderia se tornar vítima de tráfico humano.
Finalmente, no ano 2000, foi aprovado o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, e promulgado no Brasil pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004.
Entre 1904 e 2000, pode-se obervar a evolução da legislação internacional sobre a matéria. No tocante ao objeto de proteção, houve um alargamento, pois inicialmente a proteção era destinada apenas às “escravas brancas”, avançando para “mulheres e crianças” e finalmente para em um termo geral.
Outra alteração se deu ao tratamento à vítima. Ao longo do tempo, percebeu-se que a vítima do tráfico perece de proteção e ajuda e que não devem ser tratadas como criminosas. Essa postura constitui um dos objetivos do Protocolo de Palermo, nos termos de seu art. 2º, b: “proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos”
Outro aspecto é o referente à abrangência. Até o acontecimento do Protocolo de Palermo, a preocupação era apenas com a prostituição, hoje o foco é a proteção de qualquer forma de exploração, seja ela sexual, laboral ou de remoção de órgãos, ocasionada pelo tráfico internacional.
Com isso, a OIT30 apoia o entendimento de que o tráfico humano envolve muito além da exploração sexual de mulheres e de crianças, e que a exploração deve também ser vista como um problema de trabalho forçado na qual se exigem soluções baseadas no mercado de trabalho.
4.DA CONVENÇÃO DE PALERMO
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), traz a definição do Tráfico de Pessoas como "o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”. (UN, 2000a).
A Convenção surgiu com o intuito de preencher espaços no Direito Internacional, antes de sua entrada em vigor existiam apenas tratados sobre questões criminais específicas. Tendo o crime organizado se tornado de grande proporção, tornando necessária a cooperação entre países.
O crime organizado começou a tomar espaço após a Guerra Fria. A movimentação de pessoas por meio das fronteiras evoluiu rapidamente, a exportação de bens e serviços na década de 80, correspondia a 18,9% da média do produto interno bruto (GDP) dos países, enquanto no ano de 2010, alcançou a marca de 30,5% de tal média (The World Bank, 2020). A fiscalização em torno deste fato, por sua vez, diminuiu devido a acordos de livre circulação de bens e pessoas.
O tráfico de pessoas ganhou força na década de 1990. Conforme entendimento de Louise Shelley (2010, p.2), “o contrabando e o tráfico de pessoas estão entre as formas mais rápidas de crescimento do crime, porque as condições atuais do mundo criaram aumento da demanda e da oferta”. O tráfico de pessoas, é em sua maioria consequencia da desigualdade social-econômica e reflete a necessidade em políticas públicas e empregos para sanar este ponto, vários fatores favorecem essas atividades, como: a pobreza, a falta de trabalho, o preconceito de gênero, violência doméstica, entre outros; a também violações aos direitos humanos, no que se refere a dignidade e o direito de ir e vir.
Com o passar do tempo se é percebido que mais e mais pessoas são ilubriadas e assim tráficadas e exploradas. Diante disso, pode concluir que o tráfico de pessoas não poderia permanecer desconecto a proteção dos direitos humanos, caracterizando como crime a ser combatido, segundo a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional (UN, 2000a).
A Convenção de Palermo e seus protocolos (UN,2000) foi muito bem recebida internacionalmente, isto ocorreu por dois fatores: demanda por instrumento que indicasse caminhos concretos para que houvesse cooperação internacional em matéria de crime organizado; e a linguagem usada na documentação que foi bem aceita por toda comunidade internacional, contendo 147 assinaturas e, ao todo, 190 Estados que formaram parte do documento (UN, 2000ª).
No período de elaboração desses tratados internacionais, tornou-se de maior atenção à questão da proteção às vítimas do tráfico de pessoas, as quais necessitam de apoio e proteção quando identificadas, pois se encontram em situação de vulnerabilidade devido às violações de direitos humanos que sofreram. Coube responsabilidade e discricionariedade dos Estados as medidas para protegê-la. Geralmente, estes Estados condicionam a proteção à cooperação nas investigações contra os traficantes, com isso, deixam de prover suporte devido às vítimas que não possuem condições de colaborar, ficando sem poder retornar ao seu país de origem por motivos financeiros, as quais são então deportadas ou expulsas sem qualquer zelo.
5. POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS PARA O COMBATE DO TRÁFICO
Com o aumento do tráfico de pessoas, e a grande repercussão que tal crime gerava (e ainda continua gerando), as autoridades tiveram que tomar medidas para combater tal ato que além de ser crime, fere os direitos humanos do indivíduo.
Todavia, a primeira medida a ser tomada veio de uma reunião de 80 países junto a ONU, em Palermo, na Itália, onde fora discutido a forma de combate a tal prática criminosa. Foi então no mês de outubro de 2000 que enfim surge a atual arma de combate as grandes redes de tráfico de pessoas, o protocolo de Palermo, que veio para prevenir, reprimir e punir o Tráfico de Pessoas aqueles que estão ligados seja direta ou indiretamente essa organização criminosa.
No Brasil, o protocolo foi ratificado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2004, passando a ser um norte no combate ao tráfico internacional de pessoas, uma vez que, para o tráfico nacional, existe o amparo legal nos artigos 231(que refere a pessoas que venha de outros países para serem exploradas no Brasil ou brasileiros que vão para outros países para serem explorados) e 231-A (refere a pessoas que são exploradas dentro do território nacional) do Código Penal brasileiro.
A elaboração do protocolo tem a finalidade de combater severamente aos participantes desta rede, conhecidos como traficantes, aliciadores, gerentes ou donos dos locais em que as vítimas ficam confinadas, muitas vezes em condições degradantes.
Contudo, o protocolo em seu artigo 5°, diz a respeito da criminalização, onde deve cada país determinar medidas legislativas para instituir as infrações penais cometidas pelos traficantes, podem ser observadas ainda as alíneas, que produz as seguintes situações:
a) Sem prejuízo dos conceitos fundamentais do seu sistema jurídico, a tentativa de cometer uma infração estabelecida em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo;
b) A participação como cúmplice numa infração estabelecida em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo; e
c) Organizar a prática de uma infração estabelecida em conformidade com o parágrafo 1 do presente Artigo ou dar instruções a outras pessoas para que a pratiquem.
O artigo 1° ao qual se referem, diz sobre a Relação com a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Outra situação na qual não se pode deixar de citar é a preocupação com proteção e assistência a vítima do tráfico de pessoas, onde determina que cada País atenda prontamente as vítimas desse acontecimento sem demora, oferecendo um tratamento psicológico, médico, alojamento adequado, oferecer oportunidade de emprego e ainda estabelecer que cada Estado soberano, resguarde a privacidade e a identidade da vítima e deixando correr em segredo de justiça processos que envolva as vítimas.
Insta salientar que, no Brasil o Código Penal sofreu alterações nesse quesito, onde anteriormente o tráfico era abrangido somente para mulheres, todavia, com a ratificação do protocolo de Palermo o Código teve que se adequar as novas mudanças, mudanças essas que foram feitas pela Lei 12.015 de 2009, passando agora a tratar de Tráfico de Pessoas Para fins de Exploração sexual, abrangendo a todos aqueles que passarem por tal situação.
Outra forma utilizada para o combate ao tráfico são campanhas realizadas por pastorais e pelo Governo, como por exemplo, campanhas de conscientização, o disque Denúncia “180 – internacional”, onde qualquer pessoa pode utilizar esse número para fazer denúncia de algum caso que promove o tráfico, podendo ser utilizado principalmente pelas vítimas, o ministério da justiça e a própria ONU, enfim, diversos setores trabalhando em prol do combate ao tráfico de pessoas.
6. FORMAS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL
A prevenção é sempre a melhor iniciativa. Portanto, ao verificar que existem indícios de tráfico humano, siga as orientações:
1. Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo;
2. Antes de aceitar a proposta de emprego, leia atentamente o contrato de trabalho, busque informações sobre a empresa contratante, procure auxílio da área jurídica especializada. A atenção é redobrada em caso de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais;
3. Evite tirar cópias dos documentos pessoais e deixá-las em mãos de parentes ou amigos;
4. Deixe endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando;
5. Informe para a pessoa que está seguindo viagem endereços e contatos de consulados, ONGs e autoridades da região;
6. Nunca deixe de se comunicar com familiares e amigos.
Em caso de Tráfico de Pessoas, denuncie! Disque: 100 ou Ligue: 180
7 OS TRÊS P’s: PREVER, PUNIR E PROTEGER
Como se observa, os esforços para combater o trafico de pessoas ainda são incipientes, seja no Brasil ou no exterior. A corrupção, o desamparo da polícia, de agentes de fronteira ou de saúde, o descaso dos governos, a pobreza, a falta de oportunidades no país de origem, são fatores que contribuem com o crescimento desse crime.
David Batstone (BATSTONE, David. Not for sale, p. 259-260), afirma que todos podem contribuir de alguma forma para acabar com a mercancia de escravos. Advogados e promotores são necessários para proteger os direitos das vítimas e processar os criminosos; empresários precisam acabar com o trabalho escravo em suas empresas e não negociar com grupos que adotem essa pratica; estudantes precisam desenvolver pesquisas sérias que influenciam políticas públicas; e profissionais da área da saúde são necessários para restabelecer a saúde física e psicológica das vítimas.
Logo, Eliana Vendramini (CARNEIRO, Eliana Faleiros Vendramini. O monitoramento das politicas públicas no enfrentamento ao tráfico de pessoas (no prelo)), aduz que apenas o trabalho em rede permitirá o enfrentamento de modo promissor. Essa rede deve congregar os atores da política pública, judiciaria, de direitos humanos e a sociedade civil organizada. São inúmeros problemas ainda enfrentados, como a falta de varas especializadas, de dados estáticos padronizados e da adequação da legislação pátria ao Protocolo de Palermo.
No tocante às ações voltadas à repressão do crime e à punição dos traficantes, não se ve um avanço, especialmente no aspecto legislativo, que foi objeto de análise nesse trabalho. Conforme expõe Renato Silveira, o sistema deve amoldar-se à realidade fática. O direito precisa pautar-se tanto na política criminal quanto na dogmática penal. Ambos devem influenciar a criminalização primária (elaboração das leis) e secundária (âmbito judicial e executório). E isso ainda não foi feito.
Com relação à proteção das vítimas do tráfico, o PNETP visa o seu tratamento justo, seguro e não discriminatório, além de sua reinserção social, adequada assistência consular, proteção especial e acesso à justiça. O conceito de vítima inclui brasileiros e também estrangeiros traficados para o Brasil. É prioridade do Plano: articular, estruturar, consolidar, a partir dos serviços e redes existentes, um sistema nacional de referencia e atendimento às vítimas de tráfico.
Como já mencionado, não existem pesquisas completas e confiáveis sobre o tráfico de pessoas. As causas são variadas, como a falta de um conceito único de crime, a confusão com outros fenômenos, como prostituição voluntaria ou trafico de migrantes, a escassez de fontes oficiais, a falta de colaboração de órgãos públicos, etc. independente desses fatores, é fundamental mapear com precisão a situação do trafico de pessoas no pais, identificando suas causas, alcance, efeitos, bem como suas vítimas.
Esse levantamento é imprescindível para os três eixos de enfrentamento ao delito, e precisa do envolvimento de organismos intencionais, instituições públicas, policia, judiciário, e também da sociedade civil, inclusive universidades.
Em linhas gerais esses são os principais problemas e desafios ao efetivo enfrentamento ao trafico de pessoas. São ações urgentes, às quais o Estado não pode se eximir. E, ela so terão sucesso se houver uma dura reprimenda à corrupção, que é um ponto visceral. As instituições públicas precisam funcionar de forma ética e eficaz, seja em postos de fronteiras, na confecção de passaportes, na concessão de vistos, nos aeroportos, nas polícias, no judiciário, nos hospitais etc. é importante que a comunidade e especialmente as vítimas sintam confiança nas instituições estatais e também nas associações civis.
CONCLUSÃO
No artigo, pode ser observada a forma de agir dos aliciadores para com as vítimas, a maneira como as leis são aplicadas no caso concreto, e o modo de combate a essa prática. Contudo, ainda se tem vestígios de impunidade quando o tema é abordado e algum caso vem átona, pois, muito se fala em combate e poucas vezes se vê a aplicabilidade das leis no fato ocorrido.
Ressalta que, dificilmente o tráfico será combatido, uma vez que, existem diversas pessoas interessadas nesse meio, onde podem ser encontrados em casas de shows, lugares combinados entre os traficantes e os clientes, onde estes supostos clientes pagam valores altos para manterem relações sexuais com as vítimas.
As leis existentes que são aplicadas nesse crime devem ser severamente reformadas, tornando as penas desse crime mais altas e punindo a todos que integram essa rede, tornando um crime hediondo, pois, traficar pessoas é algo desumano, ainda mais com o intuito de explorá-las sexualmente, tendo lucros grotescos com o sofrimento destas, expondo-as a todos os tipos de doenças sexualmente transmissíveis, além de doenças que podem ser contraídas devido ao ambiente degradante que vivem.
Contudo, além de ser um crime ultrajante, deve ser dada mais atenção a saúde das vítimas, sendo elas físicas ou psicológicas, dando o devido tratamento a estas quando são resgatadas. Todavia, deve ser tratado tal assunto de maneira criteriosa, para que os números dessa triste realidade diminuam, e que outras pessoas não venham cair novamente nessa rede de tráfico.
Insta salientar que, enquanto houver alguém interessado nesse meio obscuro que é o tráfico humano, onde vê o ser humano como mero objeto de troca, como mercadoria, esse crime continuará assolando a todos. Tendo em vista que esse negócio clandestino gera milhões por ano, sendo o negócio ilegal mais rentável do mundo, como dito antes, as políticas públicas utilizadas, onde anteriormente pode ser observar a existência de falhas, não será o suficiente para coibir tal prática, cabendo ao governo federal e aos outros países criarem medidas que de fato, sejam eficazes, e criando leis mais severas para esse crime, punindo a todos sem exclusão de ninguém por ter privilégios, seja político ou financeiro.
REFERÊNCIAS
JESUS, Damásio de. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças - Brasil: aspectos regionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003.
JESUS, Damásio de; ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial 2. 36. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619863/cfi/3!/4/[email protected]:0.00. Acesso em: 01 abr. 2021.
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000. Disponível em: <http://dominiopublico.gov.br>.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002
Rodrigues, Thaís de C. Tráfico internacional de pessoas para exploração sexual, 1ª Ed.. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Saraiva, 2013.
Annoni, Danielle, et al. Tráfico de Pessoas: uma análise a partir da Convenção de Palermo. (Coleção Universidade Católica de Brasília). Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo Almedina (Portugal), 2022.
FONSECA, Guido. História da prostituição em São Paulo. São Paulo: Editora Resenha Universitária, 1982
graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales - UNIJALES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, amanda vieira dos. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 out 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /63580/trfico-de-pessoas-para-fins-de-explorao-sexual. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Precisa estar logado para fazer comentários.